"Fato Sociológico" é um Web Log desenvolvido para a discussão sociológica, em seus aspectos epistemológicos, teóricos e metodológicos. Criado em 21 de maio de 2010, o projeto visa a constituição de um espaço de exposição, discussão e interlocução de ideias sobre o pensamento social e as tradições sociológicas, aberto ao público e sem fins comerciais. As mensagens aqui postadas visam a informação e a divulgação de questões pertinentes, sem qualquer intenção de denegrir a imagem de instituições, pessoas ou organizações. Entendemos que as imagens compiladas são de domínio público, e acreditamos no bom senso dos detentores de seus direitos autorais em permitir o uso irrestrito dos materiais, por isso nos dispomos a promover o merecido reconhecimento quando solicitado.


domingo, 30 de maio de 2010

Conceitos sociológicos fundamentais: ação social

"Sociologia é a ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la causalmente em seu curso e em seus efeitos. Por 'ação' entende-se, neste caso, um comportamento humano sempre que e na medida em que o agente ou os agentes o relacionem com um sentido subjetivo. 'Ação social', por sua vez, significa uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso." (Weber, Economia e Sociedade: fundamentos da Sociologia compreensiva, 1999 [1909...], p. 3) Os processos sócio-históricos, analisados tanto por meio da compreensão do sentido subjetivo que rege as formas regulares de ação social de um dado processo como também as condições sócio-estruturais do mesmo. Foco nos processos de racionalização das esferas da vida no Ocidente e na origem e no desenvolvimento do capitalismo moderno. A ação social é toda ação cujo sentido para quem a realiza leva em consideração a conduta de outros – a ação dotada de sentido se diferencia do comportamento reativo e instintivo. As esferas sociais (política, econômica, religiosas, etc.), as relações sociais (de dominação e autoridade, competição e cooperação, etc.) e as organizações e instituições (Estado, partidos, empresas, burocracia, igrejas e seitas, etc.) podem ser decompostas e analisadas através dos tipos regulares de ação social das quais são formadas.


Em outra fonte de referência, encontramos uma concepção de ação social no sentido das relações sociais, e menos ligada a uma ação indivividualizada. "No intuito de explicitar melhor o conceito de sociedade, tomamos a relação social como unidade elementar. Em certa medida, a definição de sociedade aparece, convencionalmente, associada à expressão rede de relações sociais, dentro da qual apontamos a importância do processo de interação social. O termo relação social será usado para indicar o comportamento de uma pluralidade de atores à medida que, em seu conteúdo significativo, a ação de cada um leve em conta a de outros e seja orientada nesses termos. Assim, a relação consiste inteira e exclusivamente na existência de uma probabilidade de haver, em algum sentido significativamente compreensível, uma linha de ação social.” (WEBER, Max. The Theory of Social and Economic Organization. s.l. : Glencoe , 1947, p. 118)

Weber define a ação social como a unidade elementar dos fenômenos sociais. Nessa definição está implicada a concepção de interação entre os agentes sociais, ou seja, os indivíduos agem com base na ação adequadamente interpretada dos outros. Se cada ato fosse derivado de uma interpretação errônea das expectativas sociais, não haveria padrões nos fenômenos sociais. A ação social deve ser considerada como uma cadeia motivacional: não é nem um ato isolado nem um ato espontâneo. Cada ato opera como fundamento do ato seguinte. A conduta é dotada de significado para quem a executa, e por essa razão é analisável. A análise de uma ação social, então, busca compreender o sentido subjetivo da ação, que requer identificar o objetivo visado pelo agente, as motivações, os fundamentos da ação, os meios mobilizados. Após reconstruir os motivos da ação, é possível evidenciar as suas causas e identificar seus efeitos.Para Weber, todo evento social que se pretende explicar sociologicamente, deve ser considerado com base na combinação dessas formas de ação – ou em outras, observando quais se evidenciam com maior e menor regularidade. Para o autor, o agente tem convicções e sua performance depende da força com que luta e da “verdade” com que traça seu caminho. A perspectiva de Weber funda-se, portanto, sobre as realizações da ação humana e seus efeitos sobre as formações sociais. Nessa concepção, o mundo social sempre é expressão de vontades e realizações humanas.

Weber define quatro formas básicas de ação social. Na ação racional referente a fins, o agente envolve no curso de sua conduta o uso do cálculo para determinar os meios mais eficientes para atingir propósitos, trata-se fundamentalmente, da racionalidade formal ou instrumental. As características dessa forma de ação social a tornam explicável e as consequências decorrentes são essencialmente previsíveis. A ação racional referente a valores é determinada em seu curso pela crença consciente do agente em ideais e visões de mundo. Independente das consequências, o agente orienta sua conduta com base em ideias dominantes de dever, honra e dedicação a uma causa. Trata-se fundamentalmente de uma racionalidade substantiva ou da ética religiosa ou profissional. Por suas características, essa forma de ação social só pode ser compreendida. A ação social afetiva é determinada em seu curso por estados emocionais, crenças, fé, fundamentalmente refletindo irracionalidades. Nessa forma de conduta o significado da ação não se situa na instrumentalidade dos meios para se alcançar determinados fins. A ação social tradicional é determinada pelos costumes, pela força do hábito, fundamentalmente trata-se de rotinas, quando o agente não controla nem fins nem consequências.




quinta-feira, 27 de maio de 2010

Problems, Theories and Methods in Society

Em que constitui o conhecimento sociológico? A resposta tem implicações para o status da sociologia como uma disciplina científica ou humanística, para a atividade da própria sociologia e para o poder explanatório das proposições sociológicas. A tentativa de unir a pesquisa empírica às preocupações teóricas gera um modelo para disciplinar o trabalho sociológico. Uma afirmação metodológica difere o trabalho empírico descritivo (sociografia) do trabalho empírico-teórico (sociologia). O “método científico” não é apenas entendido como coleta e análise de dados, mas envolve uma preocupação com problemas teóricos e uma necessidade de explicar o fenômeno social através de trabalho teórico. O autor não nega o valor da pesquisa descritiva. Os problemas e as teorias derivadas da sociologia dão os critérios com os quais os dados serão selecionados e organizados. O sociólogo empirista busca entender e explicar o fenômeno social e não simplesmente descrevê-lo, e interpreta o mundo através de uma referência, que necessariamente envolve teoria e estratégias e técnicas de investigação empírica. Quanto mais descritiva, menor seu valor científico. A complexidade teórica de conhecimento sobre a sociedade faz com que seja sempre muito difícil estabelecer a relação entre os dados e a teoria. Levamos em consideração o que eles fazem, ou o que os atores dizem que estão fazendo, ou o que nós sociólogos dizemos que eles estão fazendo? Os dados e a interpretação dos mesmos estão interconectados. Outra dificuldade é explicar o fenômeno social. Alguns dizem que a ciência social progride coletando fatos que dão generalizações e que teoria social são os conceitos usados para a descrição dos fatos sociais, que juntos dão explicações causais ou geram correlações significativas. Mas essa explicação não é satisfatória, pois a explicação do comportamento social é um problema extremamente complexo que requer procedimentos cuidadosos e sensibilidade teórica. A tendência oposta é um estudo da sociedade em termos puramente teóricos. Teoria e estudo empírico são necessários!
Sociologia envolve método e usamos indiscriminadamente os termos explicados a seguir: Metodologia geral (estudo sistemático e lógico dos princípios gerais que guiam a investigação social. Como o sociólogo estabelece o conhecimento social e como pode convencer outros que esse conhecimento é correto), Procedimento ou estratégia de pesquisa (o caminho que um estudo empírico é projetado e conduzido, as técnicas que foram utilizadas), Técnicas de pesquisa (as operações específicas para a coleta de dados sobre o mundo social). Esse trabalho tenta integrar esses três aspectos dos métodos de pesquisa sociológica.
De alguma forma as estratégias e as técnicas de pesquisa são independentes das disciplinas acadêmicas que estão associadas. Uma tese principal desse livro é a de que a os métodos devem sempre ser vistos em seu contexto, com relação aos problemas e as teorias com os quais eles são usados para iluminar! E não se pode desconectar os métodos de seu contexto! Alguns pregam que numa pesquisa deve-se executar os seguintes estágios: Planejamento da pesquisa, amostragem, construção do questionário, coleta de dados, codificação e análise dos dados, interpretação e relatório escrito. Esse tipo de guia é útil para procedimentos quantitativos, mas não para os qualitativos, por causa do inesperado na pesquisa social. Tanto na construção teórica quanto na coleta de dados. Nem todas as pesquisas são do tipo “survey”. Além de que esse guia não enfatiza a natureza do problema e a coleta de dados. Pois há uma interação entre o pesquisador e as pessoas que estão sendo pesquisadas, que é crucial para a natureza da investigação. Um modelo de planejamento para todos os tipos de pesquisa em termos de estágios não é algo totalmente plausível!
O problema liga o método e a teoria! Essa discussão contribui para a relação entre a teoria sociológica e a pesquisa empírica. Problema requer explicação – suposições e hipóteses – testes de fatos que normalmente geram novos problemas. Há diferença de temporalidade entre problema e questão, onde problema é algo que temos que resolver, como condição de nossa existência. Os dois têm uma curiosidade implícita. Existem três tipos de problemas: Problemas de ação/regra (quotidiano da sociedade, problema de importância social direta); problema de filosofia social (muitos tão velhos quanto a história humana – autoridade, status, alienação...), e problema interno da sociologia, gerado por outras pesquisas sociológicas (conflitos entre teorias existentes...). Ao passar do tempo há uma tendência de problemas públicos se tornarem problemas de ação e esses a problemas científicos. Existe forte inter-relação entre problemas, teorias e métodos. Algumas correntes da sociologia contemporânea surgem pela tensão produzida pelo desejo de ser tecnicamente competente e ao mesmo tempo filosoficamente sofisticado.

O texto tem como referência: BULMER, Martin. Introduction: Problems, Theories and Methods in Society – (How) Do They Interrelate? In: Socilogical research methods – an introduction. Org. Martin Bulmer. London: Macmillan, 1984. (p. 1-33)

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Os call centers e o infotaylorismo

A atividade de telemarketing e os call centers parecem configurar um desafio analítico para as mais diversas questões teóricas antes citadas, pois nestas empresas seria executado trabalho parcelado, mas que exige qualificações. Supõe-se que, nestas empresas, esteja se constituindo um nicho ocupacional híbrido, tendo, por um lado, trabalho parcelado e, por outro lado, trabalhadores qualificados ou em processo de qualificação. Neste sentido, hipoteticamente, supõe-se que as atividades de telemarketing configurariam “empregos trampolim”, ou seja, postos de trabalho temporariamente ocupados pelos trabalhadores, mas que não são atrativos profissionalmente, sendo descartados quando o trabalhador encontra uma melhor oportunidade ou concluem seus estudos, sua formação ou sua graduação. Alguns estudiosos defendem que muitas atividades estariam associando o trabalho repetitivo e intenso com as habilidades de comunicação, exigindo trabalhadores qualificados para tarefas repetitivas. As atividades de telemarketing e o trabalho em call centers seriam objetos privilegiados de investigação de estudos que defendem tal tese. (Venco, 1999; Oliveira, 2004; Braga, 2006 e 2007; Rosenfield, 2007a e 2007b). As abordagens desta natureza são importantes, pois evidenciam as contradições que emergem da situação atual do trabalho e do emprego no âmbito da sociedade informacional, no Brasil. Porém, igualmente importante seria abordar a atividade de telemarketing sob a perspectiva dos trabalhadores, examinando-se como esses atores sociais desenvolvem estratégias na tentativa de superar crises e dificuldades, na busca por novas oportunidades e novos cenários de mobilização. Não se pode dizer que as atividades de telemarketing sejam atrativas para o trabalhador, visto que parcela significativa dos empregados considera o emprego em call centers como temporário ou ocasional, a não ser no que se refere às suas conveniências particulares, como a jornada curta, facilitando estudo ou atividade paralela, ou complementação da renda, entre outros.
Os resultados apresentados indicam a tendência de que as atividades laborais baseadas em informática, mas que são pouco estimulantes, podem ser consideradas como um emprego trampolim, não exclusivamente no âmbito da atividade de telemarketing, mas especialmente para outros rumos sociais, profissionais ou pessoais aspirados pelos jovens. Os empregados do call center percebem a atividade como temporária, ou seja, adequada a sua situação de momento. Ao mesmo tempo em que “satisfaz” as conveniências dos empregados que são trabalhadores jovens, o emprego nos call centers seria percebido como meio de suprir transitoriamente necessidade materiais.
Do que se trata afinal a atividade de telemerketing? Podemos pensá-la mesmo como uma nova versão do taylorismo ou isso ainda é precipitado? Infotaylorismo ou um caso ainda por definir?

Eis el educandário de la revolución

Apresento abaixo uma etnografia visual que recentemente realizei pelas bandas da Faculdad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires, Argentina, durante minha participação no Congresso Latinoamericano de Sociologia - ALAS, de 30 de agosto a 5 de setembro de 2009. Será que o ambiente de investigação direciona (condiciona) a resolução das problemáticas de pesquisa?















terça-feira, 25 de maio de 2010

Consequências impremeditadas da ação e agência na teoria da estruturação

Para Giddens, a vida cotidiana dos agentes sociais transcorre para os próprios agentes como um fluxo de ação intencional da mesma forma que as conseqüências das ações não se limitam ao esperado em suas intenções, processo esse que produz as conseqüências impremeditadas da ação. Os agentes humanos “sabem” o que fazem, sob alguma maneira plausível de descrição, porém os agentes podem conhecer pouco sobre as conseqüências de suas ações. As conseqüências da ação dos agentes revelam a propriedade da ação que é a agência. A “‘agência’ não se refere às intenções que as pessoas têm ao fazer as coisas, mas à capacidade delas para realizar essas coisas em primeiro lugar” (Giddens, 1984, p. 10). Agência refere-se a eventos dos quais um indivíduo é o perpetrador. A duração da vida cotidiana ocorre num fluxo de ação intencional praticado pelos agentes. Giddens assenta sua perspectiva teórica sobre uma revisão da ontologia social, permeando a idealização da social democracia inglesa dos anos 1980-1990. É importante se ter em mente que Giddens enfatiza importância à perspectiva de que a sociologia embase uma ontologia social e não fique essencialmente preocupada com aspectos epistemológicos, escrevendo que (…) “a concentração nas questões epistemológicas desvia a atenção dos interesses mais ontológicos da teoria social, e é primordialmente nestes que a teoria da estruturação se concentra” (Giddens, 1984, XXI-XXII). O autor evidencia através da teoria da estruturação um novo sentido de organização social. E, esse aspecto o autor traz da idéia de “segurança ontológica” que encontrou em Erik Ericson. Esse recurso garantiria aos atores condições emocionais de trafegar pela instabilidade da vida social moderna: seria importante o ator perceber e ser reconhecido como agente competente e capacitado a mudar a sua vida pelas possibilidades que se lhes apresentarem e por eles construídas estrategicamente.
A concepção de Giddens é ‘realista’ justificando a sua abordagem que privilegia uma reformulação ontológica do ser. Giddens acredita que os agentes, antes de se preocuparem com questões aparentes e mascaradas, estão vivendo a realidade em que eles se encontram. E, é isso efetivamente ao que o autor se propõe ao oferecer sua teoria. O próprio termo estruturação implica o suposto de que a sociedade está em contínuo processo de transformação, isso porque os agentes caracterizam-se por uma cogniscitividade e porque são reflexivos. Assim, as mudanças são melhor observadas quando se analisam os espaços ou períodos de tempo. A transformação social na perspectiva de Giddens é constante, ocorre a todo o momento em que a linguagem e estimulada e pela atuação dos atores humanos. A ciência, por exemplo, não teria maior capacidade de intervenção na realidade do que qualquer ator teria. Neste sentido, a ciência perde seu caráter de libertadora, muito enfatizado por outras correntes do pensamento sociológico, isso porque são os atores que produzem e reproduzem a sociedade em sua vida cotidiana.
A ação dos agentes não é determinada por restrições externas aos agentes. Giddens parece estar enfatizando uma preocupação com a autonomia individual (talvez o termo mais adequado fosse independência individual), no sentido de “os atores são capazes de atuação e ‘dever-se-ia’ deixar os atores atuar” e permitir que eles encontrem a melhor forma de atuação mobilizando estrategicamente os recursos que são oferecidos. Dito de outra maneira, na teoria sintética proposta por Giddens, a importância do ator está acentuada mas sem desconsiderar a estrutura. A perspectiva é a de desacentuar os elementos de coação externa aos indivíduos sem negar que estes existem. Na verdade, a teoria da estruturação seria uma perspectiva que destaca a análise de quais espaços de ação são disponibilizados aos atores, considerando a maneira como a vida é “tocada” e a sociedade é “construída” pelos agentes. Um pressuposto desta teoria é o de que os atores são agentes competentes: são atores que conhecem muito, discursiva e tacitamente, a respeito do ambiente social em que vivem, do seu potencial de manipular sua situação e das suas reais possibilidades em efetivar essa manipulação. Para Giddens, se estimulados, os atores podem dizer muito acerca de suas opiniões sobre o ambiente em que vivem e as suas expectativas e estratégias para almejá-las e sobre por que “reagem” do modo como “reagem”. Mais do que se conformarem com uma situação que se lhes apresenta, os atores podem demonstrar estar reagindo através de estratégias elaboradas a partir das possibilidades por eles encontradas. Essa capacidade de ação implica que os atores estejam reproduzindo as próprias condições que tornaram possível a sua ação. Na reprodução da vida cotidiana, monitorada pelo próprio agente, transformações serão constantemente implementadas e a reprodução será ao mesmo tempo produção. Ou seja, nas práticas sociais estarão contidos e sendo mobilizados os elementos potencializadores (regras e recursos) da permanente constituição (produção e reprodução) da sociedade pela via da ação humana. Giddens propõe uma elaboração da realidade social em que a ação está livre da estrutura ao mesmo tempo em que é potencializada pela estrutura. (Reflexão com base em: GIDDENS, Anthony. A Constituição da Sociedade. Tradução: Álvaro Cabral. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Original: 1984).

Anthony Giddens (18 de janeiro de 1938, Londres) é um sociólogo britânico, renomado por sua Teoria da estruturação. Considerado por muitos como o mais importante filósofo social inglês contemporâneo, além de ser ideólogo do novo trabalhismo britânico e teórico pioneiro da Terceira via, tem mais de vinte livros publicados ao longo de duas décadas. Do ponto de vista acadêmico, o seu interesse centra-se em reformular a teoria social e reexaminar a compreensão do desenvolvimento e da modernidade. A obra abarca diversas temáticas, entre as quais a história do pensamento social, a estrutura de classes, elites e poder, nações e nacionalismos, identidade pessoal e social, a família, relações e sexualidade. Foi um dos primeiros autores a trabalhar o conceito de globalização. Mais recentemente tem estado na vanguarda do desenvolvimento de ideias políticas de centro-esquerda, tendo ajudado a popularizar a ideia de Terceira via, com que pretende contribuir para a renovação da social-democracia. Foi Director da London School of Economics and Political Science (LSE) entre 1997 e 2003. Giddens foi assessor do ex-Primeiro-ministro britânico Tony Blair.

A ação "livre da" e "potencializada na" estrutura social

O sociólogo e psicólogo britânico Anthony Giddens (1938...), “clássico” da sociologia contemporânea, propôs uma teoria sociológica sintética visando superar o embate intelectual entre o determinismo estrutural do “consenso ortodoxo” e o subjetivismo dos individualistas metodológicos. A sua teoria da estruturação é uma proposta que dialoga com aquela dicotomia, assimilando os elementos mais promissores de cada uma dessas correntes e inserindo diversos elementos da psicologia social, da geografia e da história. Com a teoria da estruturação, Giddens intenta a mostrar o modo como a sociedade constitui o indivíduo, ao mesmo tempo em que o indivíduo constitui a sociedade, considerando os atores sociais como agentes cogniscitivos e reflexivos e, por isso, responsáveis pela reconstrução e transformação da sociedade. Nesta acepção, o domínio das ciências sociais não seria nem a experiência do ator individual e nem a totalidade social, mas as práticas sociais. As práticas sociais, por sua vez, não são criadas pelos atores, mas sim permanentemente recriadas no espaço e no tempo, através dos próprios meios pelos quais os atores se expressam como atores. Em suas atividades, os agentes reproduzem as condições que tornam possíveis essas atividades. Isso pressupõe uma concepção crítica da história como não sendo definida por etapas resultantes de rupturas e sim como um processo contínuo. Não haveria uma teleologia ou evolução social, a sociedade estaria em permanente “estruturação”. Na teoria da estruturação, os indivíduos são concebidos como agentes reflexivos que podem alterar o seu comportamento. Aqui o autor diferencia-se de Bourdieu, para quem o agente, em razão do habitus, tenderia mais a reproduzir seu comportamento, enquanto que para Giddens antes de reproduzir um comportamento, o agente faz uma re-leitura do comportamento (monitoração), o que implica na potencialidade de mudar o comportamento. O autor enfatiza que os agentes são atores hábeis na vida social, sabendo o que fazem sob alguma forma de descrição. A reflexividade, segundo Giddens, “deve ser entendida não meramente como ‘auto-consciência’, mas como o caráter monitorado do fluxo contínuo da vida social” (Giddens, 1984, p. 3). A estrutura apresenta-se tanto como meio quanto como resultado da ação, portanto, é produto de um processo dinâmico (dualidade da estrutura). Para explicitar essa dinâmica, um exemplo utilizado é a linguagem, dado que muitos não conhecem suas regras, mas todos as praticam. Seria por meio da linguagem que os sujeitos conseguem se comunicar com competência, de tal forma que ela não seria apenas um fator condicionante, mas um facilitador da ação. Segundo Giddens, a linguagem em uso não permanece i-modificada. Pelo contrário, a linguagem seria recriada no desenvolvimento da ação que ela facilita, isto é, a fala. Portanto, a relação entre a linguagem e a fala – estrutura e ação, seria uma relação sem determinismos e de mútua imbricação. Estrutura se refere “aos sistemas geradores de regras e recursos, sendo importante reconhecer que as estruturas existem apenas enquanto comportamento reprodutor de atores situados com intenções e interesses definidos. As estruturas existem fora do espaço e do tempo e têm de ser tratadas para propósitos de análise como especificamente impessoais: não podem ser tratadas como realizações situadas de sujeitos concretos, mas não se considera que não tenham história interna. Cada ato que contribui para a reprodução da estrutura é também um ato de produção, um novo empreendimento, e enquanto tal pode iniciar a mudança pela alteração dessa estrutura, ao mesmo tempo que a reproduz – assim como o significado das palavras muda no e através do seu uso”. No exemplo, a idéia é a de que com a linguagem o sujeito adquire um arcabouço metodológico que lhe permite atuar sobre a sociedade.
A ação vista sob essa ótica, implementa conceber a estrutura como uma ordem virtual, muito mais interna do que externa aos indivíduos, que só existe nas práticas sociais reproduzidas. Assim, a constituição de agentes e de estruturas não são dois fenômenos que ocorrem independentes um do outro, mas dois fenômenos que se desenvolvem no mesmo processo: não há um dualismo, mas uma dualidade. A constituição de agentes e de estruturas é ao mesmo tempo o meio e o fim das práticas sociais que elas recursivamente organizam. Neste sentido, a estrutura não seria apenas coercitiva, mas simultaneamente restritiva e facilitadora, fornecedora de regras e recursos para a ação dos agentes. A ação é concebida como sendo um fluxo de condutas e de intervenções no mundo. Esse fluxo é sustentado pela monitoração reflexiva e pela expectativa de que os outros também tenham essa monitoração. A monitoração reflexiva da ação supõe uma consciência prática, na medida em que, quando indagados, os agentes são capazes de verbalizar as intenções de sua ação e expor as suas justificativas.

Reflexão com base na obra:
GIDDENS, Anthony. A Constituição da Sociedade. Tradução: Álvaro Cabral. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Original: 1984.

O tipo ideal

Tipo ideal (do alemão Idealtyp) ou tipo puro é um termo comumente associado ao sociólogo Max Weber (1864-1920). Na concepção de Weber é um instrumento da análise sociológica elaborado para a apreensão de fenômenos sociais. Através da elbaoração de tipologias puras, ou seja, destituídas de tom avaliativo, oferece um recurso analítico baseado em conceitos, como o que é religião, burocracia, economia, capitalismo, dentre outros. Uma das principais características do tipo ideal é o fato de que não corresponde à realidade, mas pode ajudar em sua compreensão, estabelecido de forma racional, porém com base nas escolhas pessoais anteriores daquele que analisa. É então um conceito teórico abstrato criado com base na realidade-indução, servindo como um "guia" na variedade de fenômenos que ocorrem na realidade. É uma conceituação de consistência lógica e não contraditória, que se constrói a partir da abstração de uma relação da realidade. O tipo ideal busca generalizar, funcionando apenas como uma referência para se compreender uma realidade dada. São esquemas mentais construídos pelo investigador para definir certos objetos de investigação. Os tipos ideais não são hipóteses de modelos sobre “como as coisas deveriam ser”; aqui ideal significa, apenas, pertencente a idéia, ao pensamento. Construímos, não descobrimos, os tipos idéias de burocracia, capitalismo, mercado, partido, etc. de modo a que nele tudo se passe como se fosse um conjunto de ações racionais com respeito a fins. Ou seja, como se os agentes se comportassem de forma absolutamente consciente, racional e calculada em função de um objetivo bem definido. Isto, é claro, nunca acontece dessa forma “pura” na realidade. Posteriormente, a pesquisa irá acrescentar aspectos da realidade que não se encontram presentes no tipo ideal originário e que, portanto, estavam para ele como “irracionalidades”. Assim, o tipo ideal fica mais complexo mais próximo da realidade objetiva, porém, sem nunca com ela coincidir completamente. O tipo ideal tem como objetivo buscar o específico, o particular, e não como se poderia imaginar, o genérico, o geral. O tipo ideal já é um modelo geral e ele ajuda a perceber tudo aquilo que é singular.

Hipóteses na pesquisa sociológica

Depois de observar um fenômeno e de reunir documentação suficiente sobre observações já efetuadas por outros autores sobre aquele fenômeno, o cientista deve buscar uma argumentação que permita explicar e justificar cada uma das características de tal fenômeno. Como primeiro passo desta fase, o cientista começa a fazer várias conjecturas ou suposições a partir das quais, posteriormente, mediante uma série de comprovações experimentais, elegerá como explicação do fenômeno a mais completa e simples, a que melhor se ajuste aos conhecimentos gerais da ciência no momento. Uma hipótese é uma “teoria” provável mas não demonstrada, uma suposição admissível, fundada em outras teorias. Caracteriza um conjunto de condições para poder iniciar uma demonstração. Surge no pensamento científico após a recolha de dados observados e na conseqüência da necessidade de explicação dos fenômenos associados a esses dados. É normalmente seguida de experimentação, que pode levar à verificação ou refutação da hipótese. Assim que comprovada, a hipótese passa a se chamar teoria, lei ou postulado.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Revelando a sujeição: rupturas e descontinuidades

O sociólogo e filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) propôs em sua obra uma genealogia ou reconstituição do que “mais profundo existe numa cultura”. A perspectiva analítica baseada na arqueologia dos saberes e/ou na genealogia social pretende desvendar a constituição das micro-estruturas internalizadas na mente dos indivíduos transformando-os em sujeitos de corpos dóceis. Neste sentido, o objetivo de Foucault é muito mais o de “revelar o invisível”, demonstrando o quanto os homens estão submetidos às estruturas de controle provenientes do social, do que de encontrar uma saída para elas. Pelo contrário, durante toda a sua obra, Foucault demonstra-se pessimista quanto à possibilidade de emancipação humana, mesmo que no final de sua vida tenha quase dado uma guinada neste sentido, mas acabou impedido por sua morte em 1984. Talvez sua obra mais conhecida, Vigiar e Punir (1975) é um amplo estudo sobre a disciplina na sociedade moderna que seria “a técnica de produção de corpos dóceis”. Mas essa genealogia da disciplina vinha sendo observada em suas obras anteriores, abordando sempre tal perspectiva de pontos de vista, ou campos, distintos. O “silêncio imposto ao louco” foi evidenciado na visão médica em Nascimento da Clínica (1963), nas ciências humanas em As Palavras e as Coisas (1966), no saber em geral em A Arqueologia do Saber (1969). A abordagem histórica de Vigiar e Punir revela como as estruturas disciplinares são constituídas e reformuladas durante os séculos. Foucault analisou os processos disciplinares empregados nas prisões, considerando-os exemplos da imposição, às pessoas, e padrões “normais” de conduta. A partir desse trabalho, explicitou-se a noção de que as formas de pensamento são também relações de poder, que implicam a coerção e imposição. Assim, mesmo que seja possível lutar contra a dominação representada por certos padrões de pensamento e comportamento, afinal se tem conhecimentos sobre eles, seria “impossível” escapar completamente a todas e quaisquer relações de poder. A tese central de Foucault é a de que, na modernidade, a disciplina fabrica os indivíduos sempre pautada numa correlação de poderes. A disciplina eleva seu poder aos detalhes da existência, sendo onipresente e onisciente. O poder funciona de forma micro-estrutural, está presente no interior dos indivíduos. A idealização de uma sociedade perfeita contava com a coerção individual e coletiva por meio dos militares e com juristas construindo e reconstruindo o corpo social. Para a correta disciplina seria preciso um bom adestramento, que interliga as forças multiplicando-as. A disciplina fabrica o indivíduo, para isso é preciso: o olhar hierárquico (tecnologias dos óculos, lentes, luzes e a arquitetura que permitem visualizar / vigiar / controlar); a sanção normalizadora (modelo reduzido de tribunal, conduzindo à homogeneidade); e o exame (combinação de técnicas hierárquicas vigilantes e sanções normalizadoras). O panóptico de Bentham aparece como ícone desta composição. O panóptico se constitui a partir de uma construção periférica em anel, em que no centro há uma torre com janelas que permite a visão das celas, mas que impossibilita sua própria visão por parte dos encarcerados. Apenas uma pessoa pode vigiar várias, então o espaço pode ser repartido individualmente, evitando as massas, pois os muros laterais impedem a comunicação entre os detentos. Contudo, para Foucault, o efeito mais importante refere-se ao sentimento do detento de estar sendo vigiado constantemente, o que assegura o funcionamento do poder automaticamente. O poder é visível e inverificável, sabe-se de sua existência, mas não pode comprová-la. Não é mais necessário impor penas e sanções aos vigiados para obter bom comportamento: basta o “temor” de ter todos seus atos vistos e analisados “pelo poder”. Genealogicamente, o panóptico engendra uma observação que se depreende da questão apenas da vigilância para alcançar a posição de formação de saberes: a observação do escolar, do operário, do louco, do enfermo leva a percepção de sintomas e comportamentos que suscitam questões “aos observadores”. Tanto na escola, quanto no hospital ou na linha de produção se estabelece tal poder como função: aumenta a produção, reforma a moral, espalha a instrução. A generalização da disciplina para todas as células sociais, devido à facilidade de transposição de seus arranjos, é o grande legado do panoptismo. Em sua nova face, a disciplina busca aumentar a utilidade dos indivíduos, fazendo crescer suas aptidões, seus rendimentos, acelerando a economia, além de moralizar cada vez mais as condutas, que se revestem de um mecanicismo imposto pela multiplicidade de olhos censores que normatizam a conduta. Com uma simples idéia arquitetônica o panóptico é capaz de reformar a moral, preservar a saúde e difundir a instrução. De fato, em sua obra em geral, Foucault está falando sobre a sujeição dos indivíduos que estão em sociedade. Para o autor, o indivíduo como sujeito é um indivíduo “sujeitado à determinadas condições existenciais”. Mesmo que Foucault demonstre que haja manifestas transformações na sociedade no decorrer da história, com rupturas e descontinuidades nos instrumentos de controle e poder, a sujeição humana sempre ocorre e com cada vez mais intensidade, revelando-se até mesmo como socialmente “benéfica” para a humanidade, ou seja, como cultura, como valores, como normalizações. Neste último aspecto, reside a grande força dos instrumentos de controle micro-sociais internalizados pelos indivíduos. Micro elementos de controle vão se formando e ao serem internalizados pelos indivíduos são cristalizados. A sociedade revelada por Foucault não abre espaço para a autonomia ou independência do indivíduo frente ao social: a individuação produzida pelo social geraria necessariamente mais controle. Para o autor, contra-poderes residiriam especialmente em estratégias em nome da vida e que passam pela sexualização, ou seja, num re-encontro do corpo com seus prazeres uma vez que a sociedade regula a vida e disciplina os corpos. Neste sentido, Foucault não está preocupado em conectar os fatos a uma ordem mais ampla ou sistêmica o que o leva a romper com a idéia de que haveria um eixo que orienta a história, como o motor da história protelado pelas correntes marxistas.

Além de uma estrutura histórica há uma sociologia do cotidiano

O sociólogo canadense/norte-americano Erving Goffman (1922-1982) propôs em sua obra uma sociologia do cotidiano, abordando os aspectos da vida social que teriam sido negligenciados pela sociologia ortodoxa. A perspectiva analítica baseada naqueles elementos corriqueiros da realidade dos atores e mais próximos das pessoas comuns, revelam uma preocupação do autor em abordar o cotidiano, mais especificamente, o funcionamento da interação em geral. Neste sentido, poder-se-ia dizer que o objetivo de Goffman é menos ambicioso que os objetivos das concepções macro-sociológicas, considerando que o autor se distancia de qualquer tentativa de revelar “o invisível” ou as estruturas por detrás das aparências; todavia, seu objetivo não é menos generalista, pelo contrário, procurou desvendar padrões sociais micro-sociológicos presente na maneira de ser dos indivíduos, revelando as “estruturas de interação”. Seguindo o legado da Escola de Chicago, em especial os trabalhos de George Herbert Mead, a obra de Goffman trata da interação de maneira pragmática. No livro A Representação do Eu na Vida Cotidiana (1959), Goffman dedicou-se à investigação da interação social entre pessoas (atores), especialmente em lugares públicos, observando e analisando a atuação das pessoas nestes espaços a fim de buscar explicações para o comportamento humano e os padrões deste. Para Goffman, o desempenho dos papéis sociais tem a ver com o modo como cada indivíduo concebe a sua imagem e a pretende manter. No centro da análise estão os conceitos de “performance” e “fachada”. Os indivíduos seriam atores em atuação: atuam em uma posição onde há o palco e os bastidores; há relação entre a peça e a sua atuação; ele está sendo visto por um público, mas ao mesmo tempo, ele é o público da peça encenada pelos espectadores. Desta forma, o ator social teria a habilidade de escolher seu palco e sua peça, assim como o figurino para cada público diferente, ou seja, o ator mantem sua coerência e a ajusta (fachada) de acordo com a situação. Nas interações, ou performances, os envolvidos podem ser público e atores simultaneamente: os atores atuam de forma que se sobrepõem a si mesmos e encorajam os outros. Esses padrões de performance ocorrem, segundo Goffman, em todos os níveis da organização social e são independetes de grupos sociais sou classes; o que poderia mudar, nestes casos, seria o conteúdo e não a forma da “estrutura” de interação. A obra de Goffman funda um modelo dramatúrgico de interpetação da realidade social, em que a interação está predeterminada e é recriada socialmente, sendo possível localizar regularidades no cotidiano dos indivíduos, as quais sofrem mediação simbólica.
A noção de enquadramento (frame ou framing) é uma síntese conceitual desenvolvida na obra Frame Analysis (1974), mas que permeia toda a sua obra, e clareia uma série de elementos que facilitam a compreensão de sua sociologia do cotidiano. O enquadramento define os elementos dos eventos sociais e a subjetividade imprimida neles. Dito de outra forma, o enquadramento fornece premissas ou instruções necessárias para que os atores decifrem uma situação, sendo que tais instruções podem variar e transformarem-se em realidades múltiplas em que os atores se movem. Goffman descreveu tal processo como esquemas interpretativos que fazem as pessoas localizar, per¬ceber, identificar e classificar os acontecimentos e informações; são scripts que ajudam a estruturar a experiência diária e facilitam o processo de construção de significados, permitindo entender certos temas em perspectivas particulares. Em outras palavras, as definições de perspectivas e tipos de apresentação fazem parte do próprio entendimento e avaliação que os indivíduos têm sobre os eventos sociais. A análise sobre o cotidiano parece ter rendido a Goffman uma popularização incomum, levando-o a ser um dos sociólogos mais referidos dentro e fora da academia. Os textos de Goffman exerceram certo fascínio sobre o público em geral, uma vez que esses tomam contanto com seus conceitos e os assimilam como “reais”, fato que nos conduz a pensar que os indivíduos são hábeis sociólogos, como diria Giddens. Embora eu não trabalhe nesta linha de investigação proposta por Goffman, considero que seja uma perspectiva da maior importância para a sociologia, abordando os elementos mais próximo da realidade dos indivíduos e, certamente, implementando o conhecimento sociológico. A proposta de Goffman não nega o estudo de padrões sociais, que caracteriza a sociologia, mas procura padrões na interação entre os indivíduos. Muitos críticos de Goffman apontaram que suas obras não têm fundamentação empírica, pois o autor não teria deixado cadernos de campo ou resultados de pesquisa. Contudo, me parece claro, e a “veracidade” do que expõe em seus textos (a julgar pela receptividade que obtém do público leigo e o fascínio que seus textos exercem sobre esse) parece comprovar isso, que Goffman tenha sido um legítimo adepto de loas ao passeio, aquela “metodologia” não sistematizada, que é feita no dia-a-dia, sem nenhum tipo de instrumento de coleta de dados, a não ser a própria percepção do observador sobre o mundo que o cerca e em que ele próprio vive.

Pierre Bourdieu: a prática social entre o campo e o habitus

"A dialética das esperanças subjetivas e das chances objetivas está sempre em funcionamento no mundo social e, na maior parte das vezes, ela tende a garantir o ajuste das primeiras às segundas" (Bordieu, P. e Wacquant, L. J. D. Pour une antropologie réflexive. 1992).

Ao propor superar a polarização de correntes estruturalistas e de base fenomenológica, Bourdieu intentou mostrar o modo como a sociedade constitui o indivíduo, ao mesmo tempo em que o indivíduo constitui a sociedade. A intenção de Bourdieu foi a de substituir tanto o determinismo estrutural quanto o voluntarismo individualista, o que implicava, conseqüentemente, em considerar os atores sociais como reconstrutores e transformadores da estrutura social. Bourdieu efetivamente consegue articular estrutura e ação, mas claramente manteve em sua análise o modo de pensar estruturalista, mantendo também maior ênfase da determinação estrutural sobre as relações sociais. Ao apontar as práticas sociais como objeto sociológico, Bourdieu fundamenta nas relações sociais a análise dessas práticas. O pensamento de Bourdieu está fundado num pressuposto do estruturalismo: a explicação social está nas relações sociais, e não nas partes. Bourdieu, mesmo com viés estruturalista, crítica o objetivismo, sobretudo a incapacidade deste de esboçar um conceito satisfatório de prática social, todavia o autor não descarta o conceito de estrutura, pelo contrário, mantém-na no centro de sua análise. O que o interacionismo considera como determinação do agente (subjetividade), Bourdieu apreende como objetivamente estruturado. Segundo propõe Bourdieu, há elementos estruturantes nas práticas sociais e elas não podem ser explicadas apenas naquelas instâncias concretas das próprias práticas em que elas ocorrem.
Um segundo ponto de destaque é que para desenvolver sua proposição teórica, Bourdieu vai propor os conceitos campo e habitus como unidades de análise para se compreender as práticas. Através destes dois conceitos, Bourdieu busca compreender as práticas sociais articulando estrutura e ação. Enquanto o campo demonstraria a história acumulada ou reificada no âmbito de um segmento de interesses comuns em que os agentes disputam prestígio e poder, o habitus demonstraria a história incorporada pelos agentes em espaços sociais. O habitus é indissociável do campo, e nessa conjugação fica latente a privilegiada posição da estrutura sobre a ação na proposta de Bourdieu. Tal conjugação implica também a perspectiva de reprodução social
O campo serve como instrumento que permite localizar os agentes sociais em posições relativas percebidas em um espaço social em que ocorrem relações invisíveis. Ao perceber o social de um ponto de vista espacial, Bourdieu vai observar que a sociedade se constitui de variados campos, estes, mundos sociais relativamente autônomos (religioso, político, artístico, científico, filosófico, da arte, jornalístico, masculino, etc.). Caracterizar os campos como autônomos implica em considerar que neles há um modus próprio de atuação, o que implica também a idéia de que a atuação do agente no campo é estruturada e estruturante. Isso significa que nos campos, identificam-se espaços de relações, no qual as posições do agente se encontram a priori fixadas. Tal idéia remonta a se pensar que Bourdieu substitui a luta de classes, motor da história em Marx, pala luta de classificações – derivadas do capital econômico e do capital cultural, motor da lógica do espaço social. O habitus pressupõe que a narrativa do agente é relacionalmente determinada no campo, e sustentada em sua história passada, acumulada, como um “script”, que orienta o perfil e a ação posterior da trajetória do indivíduo, ou seja, seu habitus, uma gramática que define o repertório de decisões para a ação. O agente possui escolhas, mas nesse repertório de possibilidades forjadas pelo campo. De maneira mais atual, poder-se-ia dizer que, para Bourdieu, um indivíduo/agente é “formatado” para atuar num “sistema compatível” (campo), e o conteúdo dessa formatação seria o habitus.
A ação do indivíduo é construída num processo genealógico de sua existência social, nos campos que “visita” em sua vida, e seus interesses serão “sempre” definidos de acordo com sua posição dentro de determinado campo. Se o campo é definido como um sistema de relações objetivas no qual as posições e as tomadas de posições se definem relacionalmente e que domina também as lutas que visam transformar o próprio campo, subentende-se que a estrutura do campo poderia variar, pois este é um lugar de luta entre quem detém certa autoridade e entre os agentes desigualmente dotados de tal capital. Todavia, Bourdieu entende que os agentes que detêm maior capital econômico e/ou cultural ocupam as posições dominantes dessa estrutura, enfraquecendo, teoricamente, e aprioristicamente, a própria capacitação da ação. Isso nos direciona a pensar a perspectiva da história para Bourdieu como muito mais reproduzida do que construída. Toda a construção teórica de Bourdieu prevê a visualização de uma história incorporada e objetivada pelos indivíduos e na qual estes indivíduos atuam, mais do que agem, dando margem para se pensar na noção de “atores sociais”, mais do que de agentes (a não ser se pensarmos estar implícito na noção de agente de Bourdieu o potencial de agente dos “agentes”). Os conceitos de campo e habitus de Bourdieu estão muito próximos do pólo estrutural: ao agente pouco se reserva uma manifesta possibilidade de ação, pois o agente muito mais é um “ator”. Os “agentes” realizam suas práticas no interior de um campo, onde adquirem interesses, constroem estratégias e fazem escolhas delineados pelo habitus internalizado durante sua trajetória de vida. Como agente “não-agente”, o “agente” é mais ator, uma vez que o agente de Bourdieu age a partir da vivência vivida, do habitus adquirido em um campo em que se localiza como “agente”. Neste sentido, para Bourdieu, a ação dos indivíduos ocorre, mas permanece presa à estrutura.

Pierre Félix Bourdieu nasceu em Denguin, em 1 de agosto de 1930, e morreu em Paris, em 23 de janeiro de 2002. De origem campesina, filósofo de formação, chegou a docente na École de Sociologie du Collège de France, instituição que o consagrou como um dos maiores intelectuais de seu tempo. Desenvolveu, ao longo de sua vida, centenas de trabalhos, tornando-se um dos autores mais lidos, em todo o mundo, nos campos da Antropologia e da Sociologia, mas cuja contribuição alcança as mais variadas áreas do conhecimento humano, discutindo em sua obra temas como educação, cultura, literatura, arte, mídia, lingüística e política. Também escreveu muito analisando a própria Sociologia enquanto disciplina e prática. O mundo social, para Bourdieu, deve ser compreendido à luz de três conceitos fundamentais: campo, habitus e capital. Sua discussão sempre buscou desvendar os mecanismos da reprodução social que legitimam as diversas formas de dominação. Para empreender esta tarefa, Bourdieu desenvolve conceitos específicos, retirando os fatores econômicos do epicentro das análises da sociedade, a partir de um conceito concebido por ele como violência simbólica, no qual Bourdieu advoga acerca da não arbitrariedade da produção simbólica na vida social, advertindo para seu caráter efetivamente legitimador das forças dominantes, que expressam por meio delas seus gostos de classe e estilos de vida, gerando o que ele pretende ser uma distinção social.

Não podemos nos esquecer dessa matéria 2

Outra publicação de Veja que atinge diretamente todos os profissionais da sociologia foi a opinião do colunista Reinaldo Azevedo, publicada em Veja on line, de 3 de junho de 2008. Diferentemente da matéria mais recente que reproduzimos em outro post, esta é de total preconceito.

Leia abaixo o texto da coluna:

Cuidem de suas crianças. Os molestadores ideológicos vêm ai.
Por Reinaldo de Azevedo

José Alencar, presidente interino da República, sancionou ontem a lei que torna filosofia e sociologia disciplinas obrigatórias no ensino médio. O texto foi aprovado em maio pelo Senado. Em 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso vetou um projeto de lei de igual conteúdo sob o argumento que criava ônus para os Estados. “O que se vê é que, evidentemente, nos períodos em que não interessava a discussão crítica sobre a vida nacional, estas disciplinas foram desestimuladas”, afirmou ontem o ministro da Educação, Fernando Haddad, que será, aposto, o candidato do PT à Presidência em 2010. Leitores me enviaram comentários ontem indagando o que acho da medida. Uma porcaria! E por várias razões combinadas. Os estados terão um ano para se adaptar às novas regras. Muito bem! A primeira pergunta é esta: cadê os professores? Exames internacionais de matemática e entendimento de texto demonstram que o ensino brasileiro é uma tragédia. Filosofia e sociologia vão ajudar em quê? Em nada. Mas isso ainda não é o mais preocupante. A fala de Haddad, capaz de escrever monstruosidades em seus livros, já dá a pista do que vem por aí. Ao lado da eterna reclamação dos professores de que faltam condições de trabalho nas escolas, o que, no geral, é mentira, o tal “educação crítica”, de que fala o ministro, responde por boa parte da miséria do país nessa área. Se o ensino de matemática — e das ciências — é uma lástima, o das disciplinas abrigadas na rubrica “Humanidades” costuma ser uma insanidade, o que é comprovado por um exame simples dos livros didáticos de história e geografia, por exemplo: perdem-se no mais estúpido proselitismo, pautados por um submarxismo ignorante e bolorento. Já demonstrei aqui de que monstruosidades é capaz um professor de história de um cursinho, mesmo tendo de seguir uma apostila. A obrigatoriedade da disciplina fará com que livros didáticos com a chancela do MEC sejam produzidos e distribuídos. Vão se abrir as portas do horror. A grade das escolas terá de ser ajustada, e as demais disciplinas, hoje já mal e porcamente ensinadas, é que vão pagar o pato. Escolas particulares de primeiro time darão um jeito de ampliar a carga — e, se preciso, elevarão o preço das mensalidades. Mas como ampliar o período de quatro horas de aula dos estudantes do ensino noturno?
O Brasil acha que ensinar a fazer conta é coisa muito complicada; não é mesmo para nós. O nosso negócio, como é mesmo?, é ensinar a pensar, entenderam? A “refletir criticamente sobre a nossa realidade”, para que se formem, então, “cidadãos conscientes”. Puro lixo retórico e ideológico. Para seguir a lei, professores de outras disciplinas terão de ser improvisados nas aulas de filosofia e sociologia. Mal posso esperar pelo material didático. O “filósofo” vai ministrar história do pensamento? Duvido! As aulas se perderão em grandes debates — de preferência, em círculo — sobre os dilemas “éticos” de nossa realidade. Os alunos continuarão com alguma dificuldade para dizer quanto é sete vezes nove, mas serão estimulados a fazer sempre “colocações” muito inteligentes. Estamos fritos! Cuidem de suas crianças. Vai começar o período do molestamento ideológico explícito.

Não podemos nos esquecer dessa matéria 1

Não temos dúvida de que a matéria publica em Veja (n° 2158, 31 de março de 2010) tem lá suas razões. De fato há uma sociologia crítica barata e sem nehum rigor metodológico a solta. Porém, não podemos deixar de defender o lado daqueles profissionais que se esforçam em discutir sociologia com rigor teórico, metodológico e conceitual. Infelizmente a matéria de Veja, que abaixo reproduzimos, atinge, neste caso, sem razão, todos os sociólogos.

"Ideologia na cartilha"
por Marcelo Bortoloti

Agora obrigatórias no ensino médio brasileiro,
as aulas de sociologia e filosofia abusam de conceitos
rasos e tom panfletário. Matemática que é bom...

Os 8 milhões de estudantes brasileiros matriculados no ensino médio passaram a receber neste ano aulas de sociologia e filosofia - disciplinas que, por lei, se tornaram obrigatórias em escolas públicas e particulares. Com base nas diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação, cada estado fez o seu currículo, no qual a maioria dos colégios privados também se espelha em algum grau. A leitura atenta desse material traz à luz um festival de conceitos simplificados e de velhos chavões de esquerda que, os especialistas concordam, estão longe de se prestar ao essencial numa sala de aula: expandir o horizonte dos alunos. Não faltam exemplos de obscurantismo. Para se ter uma ideia, no Acre uma das metas do currículo de sociologia é ensinar os estudantes a produzir regimentos internos para sindicatos de trabalhadores - verdadeiro absurdo. Um dos explícitos objetivos das aulas em Goiás, por sua vez, é incrustar no aluno a ideia de que "a constante diminuição de cargos em empresas do mundo capitalista é um fator estrutural do sistema econômico" (visão pedestre que desconsidera o fato de que esse mesmo regime resultou em mais e melhores empregos no curso da história). Sem dar às questões a complexidade que elas merecem, as aulas abrangem de tudo: no Espírito Santo, por exemplo, a filosofia abarca da culinária capixaba aos ritmos indígenas. Conclui o sociólogo Simon Schwartzman: "Tratadas com superficialidade e viés ideológico, essas disciplinas só tendem a estreitar, no lugar de ampliar, a visão de mundo". O viés presente nas aulas de sociologia e filosofia tem suas raízes fincadas nas faculdades de ciências sociais - de onde saíram, ou a que ainda pertencem, os professores responsáveis pela confecção dos atuais currículos. Desde a década de 70, quando se firmaram como trincheiras de combate à ditadura militar nas universidades, tais cursos se ancoram no ideário marxista, à revelia da própria implosão do comunismo no mundo - e estão cada vez mais distantes do rigor e da complexidade do pensamento do alemão Karl Marx (1818-1883). Diz a doutora em ciências sociais Eunice Durham, da Universidade de São Paulo: "Boa parte dessas faculdades propaga apenas panfletos pseudomarxistas repletos de clichês e generalizações, sem se dar sequer ao trabalho de consultar o original". Isso se reflete agora, e de forma acentuada, nos currículos escolares de sociologia e filosofia, criticados até mesmo por quem participou da feitura deles. À frente da equipe que compôs os do Rio de Janeiro, a educadora Teresa Pontual, subsecretária estadual de Educação, chega a reconhecer: "Se criássemos diretrizes distantes demais da realidade dos professores, eles simplesmente não as aplicariam na sala de aula - fomos apenas realistas". Sob a influência francesa, a sociologia e a filosofia começaram a ganhar espaço no ensino médio brasileiro no fim do século XIX, até se tornarem obrigatórias, ainda que com pequenas interrupções, entre 1925 e 1971. Seu retorno definitivo ao currículo, sacramentado por uma lei aprovada no Congresso dois anos atrás para entrar em vigor justamente agora, era um pleito antigo dos sindicatos dos profissionais dessas áreas. Em 2001, projeto de lei com o mesmo propósito havia passado pelo Congresso, só que acabou vetado pelo então presidente (e sociólogo) Fernando Henrique Cardoso. À época, um parecer do MEC afirmava que os gastos para os estados seriam altos demais e que não havia no país professores em número suficiente para atender à nova demanda. Desta vez, o próprio ministro Fernando Haddad, filósofo de formação, empenhou-se para aprovar o texto. Daqui para a frente, de acordo com um levantamento do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, serão recrutados mais 20 000 professores no país inteiro. Trata-se de algo temerário, segundo alerta o sociólogo Bolívar Lamounier: "Não há tanta gente qualificada para desempenhar tal função no Brasil". A experiência recente das próprias escolas já sinaliza isso. "Está sendo duríssimo achar professores dessas áreas que sejam desprovidos da visão ideológica", conta Sílvio Barini, diretor do São Domingos, colégio particular de São Paulo. Ao obrigar as escolas a ensinar sociologia e filosofia a todos os alunos, o Brasil se junta à maioria dos países da América Latina - e se distancia dos mais avançados em sala de aula, que oferecem essas disciplinas apenas como eletivas. Deixá-las de fora da grade fixa é uma decisão que se baseia no que a experiência já provou. Resume o economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA e especialista em educação: "Os países mais desenvolvidos já entenderam há muito tempo que é absolutamente irreal esperar que todos os estudantes de ensino médio alcancem a complexidade mínima dos temas da sociologia ou da filosofia - ainda mais num país em que os alunos acumulam tantas deficiências básicas, como o Brasil". Em outros países da América Latina, esse tipo de iniciativa também costuma resvalar em aulas contaminadas pela ideologia de esquerda, preponderante nas escolas. Não será desse jeito que o Brasil dará o necessário passo rumo à excelência.

domingo, 23 de maio de 2010

A "destruição criadora": Joseph Schumpeter e a dinâmica do capitalismo

Joseph Alois Schumpeter nasceu no território do extinto Império Austro-Húngaro (atual República Checa), em 1883, no mesmo ano da morte de Karl Marx e do nascimento de John Maynard Keynes. Começou a lecionar antropologia em 1909 na Universidade de Czernovitz (hoje na Ucrânia) e, três anos mais tarde 1911, na Universidade de Graz, onde permaneceu até a Primeira Guerra Mundial. Em março de 1919 assumiu o posto de Ministro das Finanças da República Austríaca, permanecendo por poucos meses nesta função. Em seguida, assumiu a presidência de um banco privado, o Bidermann Bank de Viena, que faliu em 1924. A experiência custou a Schumpeter toda a sua fortuna pessoal e deixou-o endividado por alguns anos. Depois desta passagem desastrosa pela administração pública e pelo setor privado, decidiu voltar a lecionar, desta vez na Universidade de Bonn, Alemanha, de 1925 a 1932. Com a ascensão do Nazismo, teve que deixar a Europa, e assim sendo, viajou pelos Estados Unidos e pelo Japão, mudando-se, em 1932, para Cambridge (Massachusetts, EUA), onde assumiu uma posição docente na Universidade de Harvard, onde morreu em 08 de janeiro de 1950.

De acordo com Schumpeter, a economia industrial evolui por meio da "destruição criadora". Esse fenômeno econômico ocorre quando um conjunto de novas tecnologias encontra aplicação produtiva e as tecnologias tradicionais são "destruídas", isto é, deixam de criar produtos capazes de competir no mercado e acabam sendo abandonadas. Na fase inicial ascendente de um ciclo econômico, as novas tecnologias distinguem os empresários inovadores dos que continuam utilizando as tecnologias tradicionais. Os inovadores são "premiados" com elevadas taxas de lucros e erguem verdadeiros impérios empresariais. Na fase de estabilização, os lucros caem para patamares menores, pois a maior parte das empresas adotou o novo conjunto de tecnologias e a competição tornou-se mais acirrada. Finalmente, a fase descendente caracteriza-se por um excesso de oferta em relação à demanda. As tecnologias que inauguraram o ciclo tornaram-se, a essa altura, tradicionais. A queda acentuada dos lucros prenuncia mais uma ruptura na base técnica, que deflagrará novo ciclo. A fase inicial de cada onda de inovação é a época de ouro dos empreendedores. Adaptando pioneiramente as novidades tecnológicas à produção, empreendedores ousados conquistam vastos mercados. Quase do nada, surgem empresas de grande porte, que se tornam símbolos do seu tempo. Enquanto isso, grandes empresas baseadas em padrões tecnológicos superados entram em crise e acabam se reformulando de alto a baixo ou simplesmente desaparecem. É na fase inicial que ocorre a "destruição criadora". Quando a onda de inovação atinge a fase de estabilização, as novidades tecnológicas consistem em aperfeiçoamentos do padrão tecnológico estabelecido. Essa é a época de ouro das grandes empresas, que dominam mercados já plenamente configurados. Os pequenos empreendedores, que não dispõem de recursos financeiros vultosos, são incapazes de concorrer com as grandes empresas. Freqüentemente, seus empreendimentos e suas inovações são incorporados pelas empresas dominantes. Outras vezes, tecnologias melhores são rejeitadas, pois um padrão menos eficiente adquiriu aceitação geral. Na fase descendente da onda de inovação, os mercados estão saturados. A economia registra superprodução. Inúmeras empresas revelam-se incapazes de sustentar a concorrência, cada vez mais feroz, e são incorporadas por conglomerados mais poderosos. Essa é a época de ouro da centralização de capitais. Quando, finalmente, uma nova onda se inicia, surgem mercadorias revolucionárias. Sob o impacto da "destruição criadora", a superprodução é eliminada pois os consumidores dirigem-se, ansiosamente, para os novos produtos disponíveis. Assim, o ciclo recomeça, em novas bases tecnológicas. O trabalho de Joseph Schumpeter influenciou bastante as teorias da inovação. Seu argumento é de que o desenvolvimento econômico é conduzido pela inovação por meio de um processo dinâmico em que as novas tecnologias substituem as antigas, um processo por ele denominado "destruição criadora". Segundo Schumpeter, inovações "radicais" engendram rupturas mais intensas, enquanto inovações "incrementais" dão continuidade ao processo de mudança. Schumpeter (1934) propôs uma lista de cinco tipos de inovação: introdução de novos produtos, introdução de novos métodos de produção, abertura de novos mercados, desenvolvimento de novas fontes provedoras de matérias-primas e outros insumos, e criação de novas estruturas de mercado em uma indústria.

Trechos de "Revisionismos Instantâneos", Entrevista com Bruno Latour, por Rafael Cariello – Folha de S. Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004.

Folha – O que o sr. quer dizer quando fala em "revisionismo instantâneo" e o relaciona a teorias conspiratórias?

Bruno Latour – Revisionismo instantâneo é uma expressão que vem à minha cabeça quando vejo com que facilidade crenças, instituições, acontecimentos, decisões são questionadas por pessoas que obviamente compreendem melhor e mais rápido que os outros aquilo sobre o que estão falando. A teoria crítica tornou-se agora uma espécie de teoria conspiratória instantânea e irrestrita. Um bom exemplo disso, na França, está no "Le Monde Diplomatique", um jornal que todo mês faz a "revisão" de tudo o que aconteceu no mundo, mas sem nunca prestar atenção a descrições e contradições, e tudo em nome da crítica e da certeza da sua própria correção política. Há portanto uma maneira contemporânea de pensar que pode ser definida como um "barateamento" da crítica ou uma trivialização do espírito crítico. A crítica tornou-se uma espécie de fundamentalismo semi-religioso que proclama "ver através" de tudo e descobrir, por trás do direito, da ciência, da religião, da política, as "verdadeiras forças" que trabalham escondidas e que só são reveladas pelos olhos dela mesma. É um "sociologismo" enlouquecido, a invenção de um além-mundo que explica tudo o que se passa neste mundo por revelar as forças ocultas, enquanto o resto de nós, coitado, vive na ilusão.

Folha – O sr. fala da necessidade de um retorno à atitude realista, de não mais desconstruir, mas sim "proteger e cuidar". Por que as coisas precisam de mais cuidado agora?

Bruno Latour – A crítica perdeu o gás. Tornou-se contraprodutiva. É um veneno que deveria ser administrado na dose certa. É benéfico em pequenas quantidades, mas mata em altas doses. É difícil resumir em poucas palavras, mas é basicamente assim que acredito que as coisas tenham se passado: o realismo foi inventado no século 17 em torno da definição de "matérias de fato" indisputáveis. Essas matérias de fato definiram uma espécie de empirismo, que chamo de "o primeiro empirismo". Tínhamos os fatos de um lado, e o resto eram idéias, imaginações, fantasias etc. Mas as matérias de fato nunca foram bastante claras ou compreensíveis, apesar de seus aspectos de senso comum. Primeiro, nunca foi claro como elas eram obtidas, feitas, descobertas, estabilizadas; segundo, eram sempre o produto de um arranjo artificial (laboratórios, teorias, controvérsias, cálculos complexos) e não podiam nunca ter a qualidade óbvia que supostamente seria sua grande vantagem; finalmente, não tinham a capacidade de estabelecer relações com o resto de nossa vida pública ou coletiva, ao mesmo tempo em que provocavam todo tipo de mudança no nosso modo de vida. Logo, a atitude realista baseada em matérias de fato era, na verdade, totalmente irrealista. A conseqüência foi a invenção de uma atitude crítica para se contrapor a essa existência implausível dos fatos, e essa atitude basicamente dizia: não há fato senão uma posição "construída". Conheço esse discurso de cor, já que eu mesmo me envolvi num duro debate sobre "a construção dos fatos". Tudo depende do que queremos dizer com construção e construção social dos fatos. Se queremos dizer que não há fato, mas "apenas" preconceitos e projeções, vamos em direção ao que chamo de "barbárie crítica". Mas o significado de "fato" muda completamente se nos dermos conta de que as "matérias de fato" sempre foram uma definição totalmente improvável daquilo que os cientistas, por exemplo, descobrem. Logo, a solução não é dizer "não há fato, apenas construção", mas, ao contrário, "vamos nos aproximar dos fatos" e descobrir que eles nunca estiveram à vontade na camisa-de-força das "matérias de fato". É isso que chamo de "segundo empirismo". É ainda empírico, mas não define os fatos da mesma maneira nem faz a sua crítica da mesma maneira. É isso que quero dizer com cuidado e cautela: a atitude crítica foi acertada quando você tinha que desmontar os fatos para chegar aos prejulgamentos que os "construíram"... Mas, se se quer agora se aproximar do realismo, é preciso cuidado, e não crítica. Tudo está destruído, de qualquer jeito, quem precisa de mais destruição -ou desconstrução? Acordem, críticos, vivemos em meio a ruínas. Para que acrescentar outras mais?

Folha – O sr. podia explicar o que quer dizer com "matérias de interesse"? E que tipo novo de realismo é esse que propõe?

Bruno Latour – Matéria de interesse é a expressão que proponho para substituir "matérias de fato". Matérias de fato são indiscutíveis, matérias de interesse são altamente discutíveis; matérias de fato não tinham conseqüências, matérias de interesse têm um monte de conseqüências indesejadas; matérias de fato eram produzidas em laboratórios fechados, matérias de interesse são produzidas por muitas outras pessoas do que apenas cientistas e industriais; e por aí vai. Se você pára para pensar, tudo que antes estava sob a classificação de fatos científicos num jornal pode agora ser encontrado sob a classificação de direito, negócios, política, cultura... é isso que chamo de "matérias de interesse". De um lado significa que a ciência e a tecnologia estão por toda parte agora na nossa vida cotidiana; de outro, que nossa filosofia da ciência e nossa concepção de tecnologia estão inescapavelmente ultrapassadas para lidar com uma ciência e tecnologia tão amplamente espalhadas e tão intimamente conectadas com tantos outros debates.

Folha – Não é todo objeto, de uma maneira ou de outra, um pouco "matéria de interesse"? Como é possível determinar quais são mais "sólidos" que outros?

Bruno Latour – Ah, essa é a grande questão: a normativa. Antes, quando tínhamos matérias de fato, todo um vocabulário foi projetado para julgar qual era e qual não era. Filósofos se desentendiam sobre isso, mas acreditavam haver uma solução. Já com matérias de interesse, temos que reinventar inteiramente um vocabulário normativo. A querela sobre os transgênicos é um exemplo magnífico disso, já que seria possível dizer, usando a antiga filosofia: se não há provas de perigo, então não há base racional para impedir sua expansão. Mas as coisas mudaram, elas se tornaram matérias de interesse. Logo, há outras questões que têm que ser resolvidas: é interessante? Tem conseqüências? Queremos viver com isso? É compatível com o resto de nossa vida em comum? Foi decidido coletivamente? Modifica o modo como outras criaturas habitam o mundo? E daí por diante. Então uma sólida matéria de fato pode se tornar uma matéria de interesse bastante incerta. Isso é, aliás, exatamente o que acontece com os transgênicos, bastante incertos, embora não haja prova positiva de grandes perigos.

Bruno Latour (Beaune, 22 de junho de 1947) é um filósofo francês. A sua principal contribuição teórica é - ao lado de outros autores como Michel Callon - o desenvolvimento da ANT - Actor Network Theory (Teoria ator-rede) que, ao analisar a atividade científica, considera, enquanto variáveis, tanto os atores humanos como os não humanos, estes últimos devido à sua vinculação ao princípio de simetria generalizada. Conhecido pelos seus livros que descrevem o processo de pesquisa científica, dentro da perspectiva construtivista que privilegia a interação entre o discurso científico e a sociedade, os de maior destaque são: Jamais Fomos Modernos e Ciência em Ação. (Texto de Wikipedia).

Há um certo altruísmo implícito na teoria Durkheimiana?

Para Émile Durkheim a divisão do trabalho não tem apenas o sentido econômico, pautado na produtividade ou geração de lucro. Para o autor, a divisão do trabalho é condição de existência da sociedade. A especialização profissional garante um certo equilíbrio social, pois produz laços morais. Com base nessa concepção, o autor vai tratar a questão enquanto "divisão do trabalho social". Nas sociedades em que predomina uma acentuada divisão do trabalho social, o relacionamento entre especialidades estabelece dependência de uns indivíduos para com os outros, basicamente fundada na especialização de atividades sociais, no âmbito da sociedade, e de tarefas, no âmbito da produção. A divisão do trabalho deve ter por base conceitos morais. A solidariedade é primordial em uma sociedade, dando maior importância as emoções geradas em âmbito social, ou seja, antes de pensarmos nos indivíduos, devemos pensar no bem-estar social. Há controvérias sobre pensar dessa forma, visto que para Durkheim é apenas em sociedades de moral altamente desenvolvida que os indivíduos adquirem sua condição individual. Assim, quanto mais complexas forem as sociedades, mas haveria espaço para a promoção individual (individuação). Será que de fato há um certo altruísmo na teoria durkheimiana? Esse altruísmo é que garantiria o próprio desejo individual?

sábado, 22 de maio de 2010

O Brasil decolou: a visão dos "gringos" sobre nosso crescimento


A estabilização e o crescimento da economia brasileira nos últimos 15 anos é uma fato puramente contextual ou resultado de uma política econômica acertada?

Algumas vantagens podem ser observadas quando se analisa o contexto dos países em desenvolvimento em relação aos países desenvolvidos.

No contexto dos países desenvolvidos temos:
- População idosa (60% têm mais de 40 anos)
- Desemprego crescente
- Crise de “talentos”
- Salários elevados (inflacionados)
- Carga tributária elevada
- Resistência à migração
- Inovação de alto custo, que depende de muito investimento
- Tendência à padronização dos produtos e serviços (especialmente no mundo ocidental, pois a cultura é mais homogênea”)
- Pessimismo quanto ao futuro

Já no contexto dos países em desenvolvimento, temos:
- População jovem (60% têm menos de 40 anos)
- Oportunidades
- Mercado de trabalho pujante
- Mão de obra qualificada de baixo custo (quando comparado com os países desenvolvidos)
- Aberto a expatriação (aprender com os profissionais estrangeiros)
- Inovação simples e com inteligência
- Fazer mais com poucos recursos (cultura mais diversificada, maior diversificação de produtos e serviços)
- Otimismo

Deve-se destacar que a população dos BRICS é três vezes maior que as populações de Estados Unidos, Japão e Europa juntos. Ou seja, o mercado consumidor interno desses países tem um potencial de crescimento inimaginável. Porém, esse volume de marcado potencial gera preocupações com as questões ecológicas.

¿Del trabajo precario al trabajo decente?


MOCELIN, Daniel Gustavo. ¿Del trabajo precario al trabajo decente? La calidad del empleo como perspectiva analítica. Revista Nova Tesis - Derecho Laboral y Relaciones del Trabajo (ARTRA) (ISSN 1851-085X). Buenos Aires: Nova Tesis, 2008. pp. 133-153.